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América Latina, região estratégica para a China

A ascensão da China como ator global tem redefinido as dinâmicas geopolíticas e econômicas em diversas regiões, e a América Latina emerge como um terreno crucial nessa transformação. Um relatório geopolítico recente, “L’AMÉRIQUE LATINE, UNE RÉGION PRIORITAIRE POUR LA CHINE“, elaborado pelo IRIS (Institut de Rélations Internationales et Stratégie) para a Agence Française de Développement (AFD), oferece uma análise aprofundada dessa relação multifacetada, destacando suas complexidades, oportunidades e desafios. Para os clientes da ZH Research, compreender essas nuances é fundamental para navegar o cenário global e identificar avenidas estratégicas no mercado brasileiro.

A Profundidade da Relação Sino-Latino-Americana: Um Novo Eixo Geoeconômico

Desde o início dos anos 2000, a relação entre a China e a América Latina tem crescido e se diversificado exponencialmente, consolidando-se como uma das manifestações mais vibrantes da ascensão do “Sul Global”. O relatório aponta que o Fórum China-CELAC, realizado em Pequim em maio de 2025, marcou uma década de cooperação e diálogo, sublinhando a prioridade que a China confere à região.

No campo comercial, os números são impressionantes. O intercâmbio entre a China e os países latino-americanos saltou de US$ 10 bilhões em 2000 para mais de US$ 518 bilhões em 2024, com projeção de alcançar US$ 700 bilhões até 2035. Esse crescimento transformou a China no segundo maior parceiro comercial do subcontinente latino-americano desde 2011, e o primeiro para os países sul-americanos a partir de 2015. É notável que, em muitos casos, o volume de fluxos comerciais entre a China e a América Latina já supera o dos Estados Unidos, sendo o México a exceção que ainda mantém os EUA como principal parceiro oficial da região como um todo. A China tornou-se o principal parceiro de países como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, e o segundo para a maioria dos demais. Além disso, Pequim firmou acordos de livre comércio com Chile, Costa Rica, Equador, Nicarágua e Peru, e discute com Uruguai, El Salvador e o Mercosul.

A dinâmica comercial é marcada por uma complementariedade assimétrica. A América Latina funciona como um grande fornecedor de matérias-primas, produtos agrícolas (como soja, grãos, carnes, café, açúcar), recursos naturais (minerais como cobre, ferro, metais críticos) e hidrocarbonetos para a China, buscando a segurança de seu abastecimento. Notavelmente, a China importa do Brasil 75% de suas necessidades de soja, e o Brasil destina mais de 70% de sua produção anual à China. Em contrapartida, a China exporta para a região produtos manufaturados e bens de consumo de alto valor agregado (eletrônicos, eletrodomésticos, carros elétricos, têxteis, equipamentos de telecomunicações, máquinas, informática), sendo o Brasil um de seus principais destinos para esses produtos.

Além do comércio, o investimento chinês na região é substancial. A América Latina é o segundo maior destino de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) de Pequim, atrás apenas da Ásia. Entre 2003 e 2022, a China teria investido US$ 187,5 bilhões na região, concentrando-se em setores como infraestrutura (transporte, extração de recursos naturais, construções agrícolas, comunicação, energia). Países como Argentina, Brasil, Chile e Peru foram os maiores beneficiários. De 2005 a 2024, 294 projetos de infraestrutura foram financiados por Pequim, totalizando US$ 129 bilhões. O relatório destaca cinco grandes empresas chinesas (China Communications Construction Company, Power Construction Corporation of China, China Railway Construction Corporation, State Grid Corporation of China, China National Petroleum Corporation) como protagonistas nesses investimentos.

No setor de mineração, os investimentos chineses são particularmente massivos em metais críticos, como o lítio (presente no “Triângulo do Lítio” entre Argentina, Bolívia e Peru) e o cobre (Chile e Peru). De 2018 para cá, a China investiu US$ 11 bilhões na extração de lítio e se tornou a principal compradora de materiais críticos latino-americanos. Embora os investimentos chineses tenham diminuído após a pandemia (de uma média de US$ 14,2 bilhões/ano entre 2010-2019 para US$ 6,4 bilhões em 2022), a natureza desses investimentos está se diversificando, com maior foco em energias renováveis, desenvolvimento sustentável, construção de fábricas “greenfield“, digitalização, e eletrificação da indústria.

No âmbito financeiro, a China superou o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como principal credor da América Latina, concedendo US$ 120 bilhões em 133 créditos entre 2005 e 2023, majoritariamente através do China Development Bank (CDB) e do Exim Bank. Além disso, a China também se integrou ao BID e ao Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC).

A região também se insere nas “Novas Rotas da Seda” (Belt and Road Initiative – BRI), lançadas em 2013, com 22 países latino-americanos participando. O megaporto de Chancay, no Peru, inaugurado em novembro de 2024, é um marco dessa iniciativa, visando ser a principal porta de entrada da BRI na região e um hub comercial entre os países latino-americanos e a China. O Brasil, por exemplo, planeja usar Chancay para intensificar e facilitar suas exportações para a China, que representa 30% de seu comércio exterior, por meio das novas “rotas de integração e desenvolvimento sul-americanas”.

A Disputa Geopolítica: Pequim versus Washington

A crescente influência chinesa na América Latina se tornou uma preocupação central para os Estados Unidos. O relatório descreve como a China tem sido sucessivamente categorizada por Washington como um “desafio hegemônico”, “ameaça à segurança nacional”, “rival estratégico” e, mais recentemente, uma “ameaça existencial” sob o retorno de Donald Trump ao poder. Os EUA têm adotado medidas concretas para conter essa influência, como a saída do Panamá das Novas Rotas da Seda e o estacionamento de tropas americanas em torno do Canal do Panamá. Há também a pressão sobre o México devido à reexportação de produtos chineses para os EUA, e críticas ao Porto de Chancay, no Peru. Na Argentina, a presença da base espacial chinesa em Neuquén e a criação de uma base naval conjunta com os EUA em Ushuaia refletem a intensificação da rivalidade.

Washington argumenta que os investimentos chineses em infraestruturas críticas e a cooperação científica e tecnológica (telecomunicações, internet, espaço) podem ter “duplo uso”, permitindo a Pequim espionar os EUA e manipular seus aliados. Os EUA contam com seu Comando Militar do Sul (US Southern Command) e a IV Frota da US Navy para manter sua vantagem no “hemisfério ocidental”, que consideram um “espaço crítico na competição mundial”. A cooperação anti-drogas e anti-criminalidade organizada também serve como pretexto para a presença militar e de conselheiros dos EUA na região.

Por sua vez, a China posiciona a América Latina como parceira e aliada na construção de uma “comunidade de destino para a humanidade” e na defesa de um mundo multipolar, contra o unilateralismo ocidental. Sua diplomacia se baseia nos “Cinco Princípios” (respeito à soberania, não agressão, não-ingerência, igualdade e coexistência pacífica) e em iniciativas como a Global Development Initiative (GDI), Global Security Initiative (GSI) e Global Civilization Initiative (GCI), que promovem desenvolvimento sustentável, segurança coletiva e diálogo cultural. A questão de Taiwan também é um ponto de tensão, com a China buscando diminuir o número de países na região que reconhecem a ilha.

Implicações para a América Latina e Oportunidades para Clientes Brasileiros

A relação sino-latino-americana, embora densa e representativa das dinâmicas Sul-Sul, permanece assimétrica. O relatório destaca a “reprimarização” das economias latino-americanas e a aceleração de sua desindustrialização, devido ao déficit de competitividade frente às importações chinesas. Essa dependência tem gerado debates crescentes na região, com elites e populações expressando reservas sobre as consequências de uma relação econômica desequilibrada, bem como preocupações socioambientais com certos projetos chineses.

Para o Brasil, essa situação representa um desafio estratégico. Seus laços econômicos e comerciais com a China são vitais, agindo como um amortecedor contra ofensivas econômicas de outros parceiros, como as tarifas americanas. 

Nesse cenário de crescente rivalidade geopolítica, a pressão dos Estados Unidos sobre a América Latina, e particularmente sobre o Brasil, intensifica-se. A recente decisão da administração Trump de impor tarifas de 50% sobre certos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto de 2025 é um exemplo contundente dessa estratégia. Embora oficialmente justificadas por questões comerciais específicas ou para proteger setores industriais americanos, essas medidas podem ser interpretadas como uma tentativa de Washington de penalizar a crescente dependência comercial do Brasil em relação à China e de incentivar uma reorientação de suas parcerias econômicas. Tal movimento reflete a preocupação americana com a presença chinesa em seu “hemisfério continental”, buscando dissuadir laços econômicos que possam, de alguma forma, fortalecer a posição de Pequim na região.

Para os clientes brasileiros, o aumento dessas tarifas adiciona uma camada de complexidade ao planejamento de exportações, elevando custos e potencialmente diminuindo a competitividade de seus produtos no lucrativo mercado norte-americano. Este contexto reforça a urgência da diversificação de mercados, conforme já mencionado, não apenas como uma forma de buscar novas oportunidades, mas também como uma estratégia de mitigação de riscos frente a decisões comerciais motivadas por tensões geopolíticas. Empresas brasileiras são, assim, desafiadas a aprofundar sua análise de cadeias de suprimentos e destinos de exportação, buscando um equilíbrio que lhes permita navegar com resiliência entre as demandas de seus maiores parceiros comerciais globais.

Diante desse panorama, surgem diversas oportunidades estratégicas para os clientes brasileiros:

  1. Exportação de Commodities e Alimentos: A demanda chinesa por produtos agrícolas e matérias-primas brasileiras (soja, carne, minério de ferro, etc.) é robusta e continuará a ser um pilar das exportações. Clientes no agronegócio e na mineração devem focar na eficiência da produção e na certificação de qualidade para atender a esse mercado gigante e exigente.
  2. Infraestrutura e Logística Estratégica: O interesse chinês em projetos de infraestrutura na América Latina, como o megaporto de Chancay, abre caminho para oportunidades em logística, transporte marítimo e terrestre. Clientes com expertise em desenvolvimento portuário, ferrovias e integração regional podem explorar parcerias ou desenvolver serviços complementares às novas rotas de escoamento de produção para o Pacífico. A criação das “rotas de integração e desenvolvimento sul-americanas” pelo Brasil é um sinal claro dessa tendência.
  3. Investimentos em Energia Renovável e Sustentabilidade: A mudança na natureza dos investimentos chineses para energias renováveis, desenvolvimento sustentável, fábricas “greenfield” com práticas duráveis e digitalização das economias representa uma área de grande potencial. Clientes brasileiros no setor de energia limpa, tecnologias sustentáveis, soluções digitais e “fintech” podem atrair capital chinês ou firmar parcerias para co-desenvolvimento de projetos.
  4. Tecnologia e Inovação: O foco chinês em 5G, telecomunicações e inteligência artificial na região sugere um campo fértil para empresas de tecnologia brasileiras. Isso pode envolver a busca por investimentos, a formação de joint ventures, ou o desenvolvimento de soluções adaptadas ao mercado latino-americano com base na tecnologia chinesa.
  5. Diversificação de Mercados e Cadeias de Valor: O relatório enfatiza a necessidade de a América Latina diversificar suas estruturas produtivas e seus parceiros econômicos. Para clientes brasileiros, isso significa não colocar “todos os ovos na mesma cesta” (EUA). 
  6. Navegação da Rivalidade Geopolítica: O Brasil, como uma economia de peso na região, está em uma posição estratégica para negociar com ambos os blocos (EUA e China). Clientes com operações ou ambições internacionais devem estar cientes das tensões geopolíticas e buscar uma abordagem equilibrada, que minimize riscos e maximize oportunidades, aproveitando a competição entre as potências para obter melhores condições de comércio e investimento.

Por fim, com o estudo do documento em questão, torna-se válido inferir a necessidade de visualização de estratégias de mercado a fim de buscar a resiliência comercial em meio à uma gestão de riscos verificados por meio da análise do panorama geoestratégico atual, fortalecendo a economia nacional pelo incremento da prospecção de possíveis parcerias sino-brasileiras.

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Comentários

2 respostas para “América Latina, região estratégica para a China”

  1. Avatar de Roberto Benevides
    Roberto Benevides

    Que possamos aproveitar, de forma pragmática, as oportunidades que surgem com as atuais relações internacionais. Excelente texto!

    1. Avatar de 石革慧

      Muito obrigado, Roberto. Nossa esperança é a mesma, e é para isso que a ZH Research existe e está se fortalecendo. Forte abraço.

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