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China: Geopolítica em Transformação e Pragmatismo Estratégico

A celebração dos 80 anos da vitória chinesa na Segunda Guerra Mundial foi marcada por uma série de eventos estratégicos e de grande impacto geopolítico, que destacaram as ambições militares e diplomáticas de Pequim. Entre eles, o maior desfile militar já realizado pela China, encontros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e diálogos bilaterais de alto nível, como o de Xi Jinping com Narendra Modi. Esses eventos refletem o desejo da China de reafirmar sua posição como potência global e avançar sua visão para uma nova ordem internacional, enquanto buscava diálogos pragmáticos para amenizar disputas regionais, especialmente com a Índia.

Os eventos ocorreram na cidade de Pequim, na China, durante a primeira semana de setembro de 2025. O desfile militar aconteceu em 3 de setembro, enquanto a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai reuniu líderes de várias nações entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro. Já o encontro entre Xi Jinping e Narendra Modi aconteceu à margem dessa cúpula bilateral, destacando-se como um esforço para reduzir as tensões históricas e buscar uma coexistência estratégica entre os dois gigantes asiáticos.

As relações entre China e Índia ao longo das décadas têm sido marcadas por disputas e cooperação. Apesar dos conflitos fronteiriços, como os enfrentamentos no vale de Galwan em 2020, ambos os países têm demonstrado interesse em manter diálogo e buscar estabilidade regional. Ao mesmo tempo, permanecem como rivais estratégicos em questões econômicas e territoriais, reforçando a necessidade de uma relação pragmática. Tais dinâmicas oscilam entre tentativas de aproximação, como a retomada recente de acordos comerciais e de fronteira, e um antagonismo fundamentado em desconfianças históricas.

A Organização de Cooperação de Xangai (OCX), criada em 2001, desempenha um papel central na integração e segurança regional da Ásia, reunindo potências como China, Rússia e Índia, além de Paquistão e outros países da Ásia Central. Originalmente focada em questões de segurança e combate ao terrorismo, a organização expandiu seu escopo para incluir iniciativas econômicas e diplomáticas. A cúpula de 2025 reforçou o papel da OCX como um fórum estratégico para fortalecer a liderança chinesa no Sul Global e promover um modelo multipolar de governança.

Nesse contexto, a Iniciativa de Governança Global, lançada pela China em 2023, destaca-se como um instrumento para reformar o sistema internacional em um cenário de crescentes disputas geopolíticas. A proposta almeja criar um modelo de governança mais inclusivo e multipolar, reduzindo a dependência de instituições lideradas pelas potências ocidentais. Por meio dessa iniciativa, a China busca consolidar sua posição como líder global, promovendo novos padrões para a colaboração internacional e reforçando sua influência sobre nações emergentes e o Sul Global.

No ínterim verificado, como o Brasil pode aproveitar o atual cenário de reforma da ordem mundial para ampliar sua presença global e reforçar sua autonomia diplomática. Além disso, como o exemplo indiano pode servir para o País?

A seguir, os eventos relativos ao panorama acima citado serão analisados, visando uma melhor compreensão da conjuntura mundial, concluindo-se sobre possíveis oportunidades e lições aprendidas para o Brasil.

China e Índia: Breaking the Ice?

O artigo de Sylvia Malimbaum “Chine – Inde : un rapprochement sous contrainte” para o IFRI (Institut Français des Rélations Internationales) aborda a reaproximação pragmática entre China e Índia, marcada por encontros de alto nível, incluindo o de Narendra Modi e Xi Jinping durante a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai. Após anos de tensão exacerbada pelos confrontos no vale de Galwan em 2020, os dois países adotaram medidas para reduzir o atrito, como a retomada de voos diretos e acordos sobre gestão de fronteiras. No entanto, desconfianças persistentes dificultam um retorno pleno à cooperação e mantêm o relacionamento em uma posição delicada.

No contexto territorial e estratégico, disputas na fronteira do Himalaia seguem sem resolução, e Pequim se beneficia de vantagens territoriais enquanto mantém suas tropas na região. Além disso, a parceria chinesa com o Paquistão e projetos hídricos no Tibete reforçam as preocupações indianas sobre um cerco estratégico. Adicionalmente, há crescente inquietação em Nova Délhi sobre as atividades navais chinesas no Oceano Índico e sua influência em países vizinhos, fatores que agravam o antagonismo bilateral.

Do lado indiano, há um esforço para equilibrar os custos econômicos e militares decorrentes da rivalidade com a China. Apesar de percepções de ameaça chinesa, a Índia permanece economicamente dependente de Pequim, com importações que somam quase 100 bilhões de dólares. O programa “Make in India” ainda é limitado por essa dependência estrutural. Enquanto isso, Delhi sofre constrangimentos adicionais devido a recentes tensões comerciais com os Estados Unidos, comprometendo sua relação estratégica com Washington e ampliando sua vulnerabilidade geopolítica.

Infere-se, dessa maneira, que a aproximação sino-indiana se revela mais como uma necessidade estratégica do que uma aliança genuína. Pequim tira proveito do enfraquecimento da relação entre Índia e EUA, enquanto Nova Délhi tenta proteger seus interesses econômicos e estratégicos em um cenário global instável. No entanto, a desconfiança mútua e disputas não resolvidas tornam o degelo frágil e incerto, sendo mais uma coexistência forçada do que uma parceria sólida.

A Clara Mensagem da Cerimônia dos 80 Anos do Dia da Vitória

Em 3 de setembro, a China realizou seu maior desfile militar para marcar o 80º aniversário de sua vitória contra o Japão e o fim da Segunda Guerra Mundial. O evento, organizado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), destacou as ambições políticas e militares de Pequim e sua visão de uma nova ordem internacional. Xi Jinping utilizou o discurso no evento para reforçar a imagem da China como uma potência promotora de paz e estabilidade globais, contrastando com os Estados Unidos. Ele reiterou a importância da “revitalização da nação chinesa” e convocou a população a apoiar a liderança do PCC.

O desfile mostrou o crescente alinhamento da China com regimes autoritários. A presença de Vladimir Putin e Kim Jong Un, junto a líderes de 26 nações, principalmente do Sul Global, fortaleceu a mensagem de oposição à hegemonia americana e a defesa de um mundo multipolar. Este encontro também marca um momento histórico devido à reunião pública entre os líderes da China, Rússia e Coreia do Norte após mais de seis décadas.

Foram apresentadas pela primeira vez unidades do modelo “Quatro Serviços e Quatro Armas” do Exército de Libertação Popular (ELP), além de mais de 100 sistemas de armas modernas, incluindo mísseis balísticos intercontinentais, hipersônicos, armas a laser e veículos não tripulados. Essas tecnologias avançadas reforçam a modernização militar da China e destacam sua capacidade de enfrentar ameaças estratégicas, incluindo os Estados Unidos.

O desfile destacou uma impressionante coleção de sistemas de armas avançados e modernos, evidenciando o foco da China em sua atualização militar. Entre os itens exibidos estavam mísseis balísticos intercontinentais como o JL-3 e o DF-61, ambos com capacidades nucleares e alcance estendido, além do hipersônico YJ-21, apelidado de “destruidor de porta-aviões”. Outros destaques incluíram armas a laser como o LY-1, sistemas de defesa aérea como o exoatmosférico HQ-29 e veículos não tripulados como o AJX002, com design furtivo e tecnologia de inteligência artificial. A exibição de mísseis antinavio hipersônicos – como os YJ-17, YJ-19 e YJ-20 – reforçou o foco do Exército de Libertação Popular (ELP) em plataformas de alta precisão e manobrabilidade avançada. 

Esses materiais foram escolhidos não apenas por sua sofisticação tecnológica, mas também por sua relevância estratégica, alinhando-se às prioridades da China de projetar poder militar e se preparar para conflitos de alta intensidade contra adversários como os Estados Unidos.

O evento também serviu como um instrumento diplomático, inserindo-se na semana da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai e no lançamento da “Iniciativa de Governança Global” chinesa. Esses esforços reforçam o papel da China como uma potência influente no Sul Global, ao mesmo tempo em que desafia a ordem internacional liderada pelos EUA.

Depreende-se que o desfile evidenciou não somente a confiança militar e política da China, mas também refletiu os desafios de um cenário internacional competitivo. O discurso de Xi Jinping traçou paralelos entre a resistência histórica da China e sua posição de liderança atual, destacando a necessidade de cooperação global diante de conflitos. No entanto, a presença estratégica de líderes como Putin e Kim Jong Un e a exibição de armas sofisticadas enviaram um forte sinal de oposição ao domínio ocidental e reafirmaram a ambição da China de moldar a ordem global segundo seus interesses.

Conclusões para Estratégia

Em um cenário marcado pela celebração dos 80 anos da vitória da China na Segunda Guerra Mundial, o maior desfile militar já realizado pelo país e a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) foram utilizados por Pequim como ferramentas para reafirmar sua ascensão como potência global. Esses eventos reforçaram não apenas as capacidades militares da China, mas também suas ambições diplomáticas e econômicas para moldar uma nova ordem mundial multipolar, especialmente ao buscar fortalecer alianças regionais e amenizar conflitos históricos, como no caso do diálogo pragmático com a Índia.

Em síntese, esses eventos evidenciam o papel proativo da China tanto no fortalecimento de parcerias no Sul Global quanto na projeção de poder militar e estratégico em face de tensões com as potências ocidentais. Pequim se posiciona como alternativa à liderança global, enquanto a Índia busca equilibrar interesses econômicos e estratégicos diante da pressão de potências como China e Estados Unidos. Nesse contexto, a OCX se apresenta como um espaço relevante para promover integração regional e articulação de interesses compartilhados entre diversos países emergentes da Ásia.

O Brasil, por sua vez, pode explorar esse momento de transição na geopolítica internacional para ampliar sua presença e influência global, priorizando parcerias estratégicas com o Sul Global e fortalecendo sua participação em fóruns multilaterais como o BRICS. Além disso, o Brasil pode se posicionar como um mediador capaz de desenvolver um discurso que equilibre interesses distintos entre grandes potências, demonstrando uma liderança responsável e comprometida com a diversificação de alianças estratégicas e novas oportunidades econômicas.

O exemplo da Índia serve como inspiração para o Brasil na busca por pragmatismo diplomático e equilíbrio estratégico. Assim como Nova Delhi equilibra suas relações com os Estados Unidos e a China, Brasília pode adotar uma postura independente que lhe permita transitar entre os grandes blocos de poder global, evitando alinhamentos rígidos. Esse modelo de atuação asseguraria autonomia ao Brasil em um cenário cada vez mais polarizado, ao mesmo tempo em que maximizaria benefícios econômicos, tecnológicos e geopolíticos.

Por fim, compreender a conjuntura internacional atual é fundamental para o reposicionamento do Brasil como um player relevante no cenário geopolítico global. A análise dos movimentos estratégicos de potências como China e Índia permite ao Brasil identificar caminhos para reforçar sua soberania e influência, adaptando-se ao surgimento de novas dinâmicas e oportunidades globais. Com isso, o país pode se posicionar de maneira mais assertiva no xadrez internacional, promovendo seus próprios interesses enquanto contribui para uma ordem mundial mais equilibrada e inclusiva.

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