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Infraestrutura de Transporte Nacional e o Pragmatismo do Investimento Chinês: Uma Análise para a Resiliência Econômica

A infraestrutura de transporte é fator fundamental para a resiliência econômica e o desenvolvimento de qualquer nação. No Brasil, a complexidade e os desafios inerentes à sua infraestrutura demandam soluções estratégicas e investimentos substanciais. Em um cenário global cada vez mais interconectado, a China desponta como o maior investidor em projetos de infraestrutura ao redor do mundo, com sua Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) (一带一路, yīdài yīlù) se destacando como um ambicioso plano de conectividade global.

Nesse contexto, como o Brasil poderia aproveitar as janelas de interesse de investimento em prol de projetos de incremento infraestrutural no setor de transportes?

Para entender tal panorama de melhor maneira, este artigo propõe-se a analisar a atual situação da infraestrutura de transporte nacional, destacando a abrangência e o impacto dos exemplos de investimento da China pelo mundo, e concluindo sobre as possibilidades de aproveitamento pragmático do investimento chinês para a resiliência da economia nacional, abordando especificamente como o Brasil pode atrair e gerenciar esses investimentos de forma estratégica, sem a necessidade de uma integração plena ao ICR chinês, garantindo a melhoria do setor advinda desse capital estrangeiro.

Origem do desafio atual: A Infraestrutura de Transporte no Brasil e Seus Óbices Atuais

A infraestrutura de transporte brasileira enfrenta uma série de desafios sistêmicos que impactam sua eficiência e, consequentemente, a competitividade da economia nacional. O cenário é marcado por uma predominância excessiva do modal rodoviário, que, embora seja vital para a capilaridade da rede de transporte, não se mostra economicamente eficiente para longas distâncias e grandes volumes de carga. Essa concentração de modal teve início à época de Juscelino Kubitschek e com a formação do complexo infraestrutural-industrial apoiado no tripé automobilístico-petróleo-gasolina no Brasil, foi desenvolvido com mais profundidade durante o governo militar. Tal dependência resulta em elevados custos logísticos, maior consumo de combustíveis fósseis, maior emissão de poluentes e um desgaste acelerado da malha viária.

A Pesquisa CNT de Rodovias 2023 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), por exemplo, conclui que a maior parte da malha rodoviária federal e dos principais trechos estaduais do Brasil apresenta algum tipo de deficiência. Problemas foram identificados em 67,5% (75.190 quilômetros) da extensão total avaliada, classificados como Regular, Ruim ou Péssimo. A pesquisa aponta que apenas 32,5% (36.312 quilômetros) dos trechos avaliados estavam em Ótimo (7,9%) ou Bom (24,6%) estado de conservação, evidenciando a urgência de investimentos para recuperação e manutenção (CNT, 2023, p. 78).

O modal rodoviário é responsável por movimentar cerca de 65% das cargas e 95% dos passageiros no território nacional, totalizando uma malha de 1,7 milhão de quilômetros de rodovias, dos quais apenas 12,4% (213,5 mil quilômetros) são pavimentados (CNT, 2023, p. 10). Em comparação com outros países de dimensões continentais, como China e Estados Unidos, que possuem densidade de rodovias pavimentadas mais de 16 vezes superior à brasileira, o Brasil se encontra em desvantagem, evidenciando uma lacuna significativa em termos de oferta de infraestrutura rodoviária (CNT, 2023, p. 13).

A carência de investimentos contínuos em expansão e modernização, aliada a complexidades burocráticas e regulatórias, impede a formação de um sistema de transporte robusto e interligado, capaz de desafogar as rodovias e reduzir custos logísticos do Brasil. A Pesquisa CNT de Rodovias 2023 destaca que a qualidade da infraestrutura tem efeitos diretos sobre tais custos, com rodovias em condições precárias elevando os custos logísticos, aumentando despesas com manutenção veicular, consumo de combustível e tempos de viagem, e reduzindo a competitividade da economia (CNT, 2023, p. 15).

Do acima exposto, infere-se que a infraestrutura de transporte nacional apresenta diversos gargalos, devido à excessiva dependência do modal rodoviário e à subutilização de ferrovias e hidrovias. Essa estrutura gera altos custos logísticos e limita a competitividade e a capacidade de resposta da economia brasileira a choques externos, demandando uma urgente e abrangente estratégia de modernização e diversificação.

O Destaque Global: A Estratégia Chinesa de Investimento em Infraestrutura pelo Mundo

A China tem se consolidado como um ator global proeminente no campo da infraestrutura, especialmente através da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), que mobiliza trilhões de dólares em investimentos em portos, ferrovias, estradas, aeroportos e redes de energia em dezenas de países. Esta iniciativa reflete uma estratégia de longo prazo para conectar a China com o resto do mundo, expandindo sua influência comercial e geopolítica.

Em 2024, os investimentos chineses não financeiros no exterior, de acordo com o Ministério do Comércio da China (MOFCOM), atingiram US$ 143,9 bilhões, um aumento de 11% em relação ao ano anterior. Os setores de manufatura avançada, mobilidade, tecnologia, mídia, telecomunicações e mineração foram os que mais atraíram fusões e aquisições chinesas no mundo, representando 56% do valor das transações (CEBC, 2024, p. 27). Na ICR, o engajamento das empresas chinesas em 2024 (incluindo contratos de construção e investimentos diretos) registrou um recorde de US$ 121,7 bilhões. O segmento de energia, com destaque para projetos verdes (solar, eólica e hidrelétrica), liderou com 30% de participação, a maior proporção desde o lançamento da iniciativa em 2013 (CEBC, 2024, p. 32).

O Brasil tem sido um destino proeminente para esses investimentos. Em 2024, os investimentos chineses confirmados no Brasil somaram US$ 4,18 bilhões, um salto de 113% em relação a 2023, colocando o país como o terceiro maior receptor de capital produtivo da China no mundo e o principal entre as economias emergentes (CEBC, 2024, p. 9). A diversificação setorial é notável, com destaque para energia elétrica (34%), petróleo (25%), fabricação de automóveis (14%) e mineração (13%) (CEBC, 2024, p. 16). O número de projetos greenfield (criação de novos empreendimentos) representou 79% do total de projetos chineses no Brasil em 2024 (CEBC, 2024, p. 10).

Exemplos específicos na América Latina e Caribe (ALC) em 2022 incluem a aquisição da Lithea Inc. (mineração de lítio na Argentina) pela Ganfeng Lithium Co. Ltd. por US$ 962 milhões, e a compra da Neo Lithium Corp. (extração de lítio na Argentina) pela Zijin Mining Group por US$ 767 bilhões. No Brasil, a Great Wall Motor Company Ltd. adquiriu uma fábrica da Daimler por US$ 351 milhões para produzir veículos e baterias elétricas. A BYD também anunciou a intenção de investir US$ 565 milhões em três novas fábricas no Brasil para a produção de lítio, fosfato de ferro e chassis automotivos (ALBRIGHT; RAY; LIU, 2023, p. 16-17). Esses investimentos refletem o interesse chinês em cadeias de suprimentos de energia renovável e veículos elétricos.

Apesar das oportunidades, o Boletim Econômico China-América Latina e Caribe de 2023 também aponta para desafios, como a sustentabilidade das dívidas dos países da ALC com a China, com casos de renegociação como o do Equador e da Argentina, e a situação do Suriname, que possui a maior dívida bilateral com a China em relação ao seu PIB (ALBRIGHT; RAY; LIU, 2023, p. 3, 14-15).

PaísNatureza do Impasse/Desafio com a China (2022 em diante)Contexto e Detalhes da Dívida/Renegociação
ArgentinaSustentabilidade da Dívida Externa (Incluindo com a China): A Argentina enfrenta um histórico de crises de dívida e necessita de reservas de moeda estrangeira. A China atua como um credor significativo (além do FMI e de credores privados).A necessidade de reservas levou a Argentina a estender um acordo de swap de moedas (swap cambial) de vários bilhões de dólares com o banco central da China (PBOC) para reforçar suas reservas. Este mecanismo é crucial, mas a sua extensão tem sido um foco de tensão geopolítica e de necessidade econômica. Embora a principal reestruturação em 2022 tenha sido com o FMI, a China é uma fonte de “linha de vida” financeira, e a gestão dessa dívida/swap é fundamental para a estabilidade econômica.
EquadorRenegociação da Dívida e Condições de Empréstimo “Óleo por Empréstimos”: O principal desafio histórico tem sido a grande dívida bilateral com a China, frequentemente atrelada a contratos de venda futura de petróleo (“óleo por empréstimos”) em condições desfavoráveis para o Equador.Em 2022, o Equador alcançou um acordo para reestruturar $4,4 bilhões em dívidas com bancos chineses (como o Banco de Desenvolvimento da China e o Eximbank da China). Esse acordo proporcionou um alívio de fluxo de caixa estimado em $1,4 bilhão até 2025, estendendo os prazos de vencimento (até 2027 e 2032). Crucialmente, houve também uma renegociação dos contratos de petróleo para que o Equador pudesse vender uma maior porção do seu petróleo a preços de mercado (em vez de estar completamente vinculado a pagamentos de dívida a preços desfavoráveis).
SurinameMaior Dívida Bilateral com a China em Relação ao PIB: O Suriname possui a proporção mais alta de dívida bilateral com a China em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB) na região, indicando uma vulnerabilidade significativa e um grande peso da dívida.O Suriname passou por uma grande crise de dívida, com o rácio Dívida-PIB a atingir cerca de 148% em 2020. No contexto de um programa do FMI e de uma reestruturação de dívida soberana mais ampla, o Suriname assinou um acordo de reestruturação de dívida com a China (cerca de $476 milhões) para estender os vencimentos e aliviar os pagamentos, com o objetivo de tornar a dívida sustentável. A elevada proporção da dívida chinesa em relação ao PIB sublinha a dependência do país em relação à China como credor e a importância da reestruturação para a saúde econômica a longo prazo.

Percebe-se, portanto, que a estratégia chinesa de investimento em infraestrutura é vasta e focada na criação de uma rede de conectividade global que alinha seus interesses comerciais e geopolíticos. Embora ofereça benefícios como capital, agilidade na execução e expertise técnica para os países receptores, esses investimentos exigem uma gestão estratégica rigorosa para mitigar riscos de endividamento, impactos socioambientais e perda de autonomia.

O Caminho do Pragmatismo: Aproveitamento do Investimento Chinês para a Resiliência Econômica Nacional sem Integração Plena à ICR

A fragilidade da infraestrutura brasileira e a robustez dos investimentos chineses criam uma oportunidade, mas também um imperativo estratégico para o Brasil: como atrair e aproveitar esse capital para fortalecer sua economia, sem se alinhar plenamente a uma iniciativa que pode implicar em restrições ou dependências indesejadas, como a ICR? Embora a Argentina tenha aderido à ICR em 2022, e a Iniciativa tenha registrado um engajamento recorde em 2024, o Brasil tem mantido uma postura de pragmatismo.

Para tal, o Brasil pode adotar diversas estratégias:

  1. Negociação Transparente e Proativa: O Brasil deve identificar suas necessidades críticas de infraestrutura e propor projetos específicos aos investidores chineses, em vez de aceitar pacotes de investimento pré-definidos. A negociação deve ser transparente, com cláusulas contratuais robustas que garantam a sustentabilidade financeira, ambiental e social dos empreendimentos, incluindo termos de empréstimo claros, taxas de juros justas e mecanismos de arbitragem independentes. A experiência de renegociação de dívidas na ALC, como no Equador e na Argentina, mostra a complexidade e a necessidade de clareza nos acordos (ALBRIGHT; RAY; LIU, 2023, p. 14-15).
  2. Foco em Projetos Estratégicos Nacionais: O Brasil deve priorizar investimentos em infraestruturas que impulsionem diretamente sua resiliência econômica e seus objetivos de desenvolvimento. Os investimentos chineses no Brasil em 2024 já demonstram uma diversificação setorial, com destaque para energia elétrica, petróleo, fabricação de automotores e mineração (CEBC, 2024, p. 16). Projetos em sustentabilidade e energias verdes, que atingiram o recorde de 27 empreendimentos chineses no Brasil em 2024, representando 69% do total, estão alinhados às políticas brasileiras de reindustrialização e sustentabilidade, como a “Nova Indústria Brasil” (CEBC, 2024, p. 9). Exemplos como as fábricas de veículos elétricos da BYD e Great Wall Motor no Brasil, e os investimentos em minerais estratégicos, indicam sinergias com as prioridades nacionais (CEBC, 2024, p. 19-21; ALBRIGHT; RAY; LIU, 2023, p. 16-17).
  3. Diversificação de Fontes de Financiamento: Para evitar a dependência excessiva de um único país ou fonte de capital, o Brasil deve buscar ativamente investimentos de múltiplos parceiros. Isso inclui instituições financeiras multilaterais, fundos de investimento soberanos de outras nações e empresas de infraestrutura de diferentes origens. A diversificação serve como uma salvaguarda contra pressões geopolíticas e permite ao Brasil manter maior autonomia decisória.
  4. Exigência de Conteúdo Local e Transferência de Tecnologia: Os acordos de investimento devem incluir cláusulas que incentivem a participação de empresas brasileiras na cadeia de valor dos projetos, bem como a transferência de tecnologia e conhecimento. Isso não apenas gera empregos e desenvolve a indústria nacional, mas também capacita o Brasil a construir e manter sua própria infraestrutura no futuro, fortalecendo sua base tecnológica e industrial, um fator crucial para a resiliência a longo prazo.
  5. Proteção de Ativos Estratégicos e Soberania: O Brasil deve ser vigilante na proteção de ativos de infraestrutura considerados estratégicos para sua soberania. Isso pode envolver a manutenção de controle acionário majoritário em determinados projetos ou a criação de marcos regulatórios que impeçam a alienação completa de infraestruturas críticas.

Depreende-se que a adoção de um modelo de relacionamento pragmático com investidores chineses, focado em projetos de interesse nacional com termos bem definidos, combinado com a diversificação de parceiros e a proteção de ativos estratégicos, é a chave para que o Brasil aproveite o capital chinês. Essa abordagem permite modernizar sua infraestrutura e, consequentemente, impulsionar a resiliência de sua economia, sem as amarras de uma integração plena a iniciativas geopolíticas como a ICR.

Considerações Finais

A infraestrutura de transporte do Brasil é, sem dúvida, uma das fragilidades de sua economia, com gargalos que comprometem a competitividade e a resiliência em um cenário global dinâmico. O país lida com a deficiência de seus modais e a dependência rodoviária, enquanto a China se posiciona como um gigante investidor global, remodelando a situação infraestrutural de diversas regiões com projetos de grande escala.

Em síntese, a situação logística brasileira, decorrente de uma infraestrutura de transporte desequilibrada e carente de investimentos, representa um “freio” ao pleno desenvolvimento econômico (CNT, 2023, p. 78). A capacidade do Brasil de transpor seus desafios infraestruturais está intrinsecamente ligada à sua habilidade de engajar-se estrategicamente com os grandes players globais de investimento, como a China. Os investimentos chineses, destacados por sua abrangência e agilidade global, oferecem um caminho promissor, mas também complexo, para o preenchimento dessas lacunas infraestruturais (CEBC, 2024, p. 27; ALBRIGHT; RAY; LIU, 2023, p. 3).

Conclui-se que o aproveitamento do investimento chinês para a resiliência da economia nacional passa, inexoravelmente, por uma estratégia de engajamento pragmática e seletiva, desvinculada de uma adesão irrestrita à Iniciativa Cinturão e Rota. Conforme o que foi detalhado, o Brasil pode e deve atrair esse capital, mas sob termos que garantam a proteção de seus interesses soberanos, a sustentabilidade de longo prazo dos projetos, a efetiva transferência de tecnologia e a diversificação de parcerias internacionais. Essa abordagem detalhada, focada em projetos alinhados às prioridades nacionais e à maximização dos benefícios locais, não apenas melhorará a eficiência do setor de transporte, mas também fortalecerá a capacidade da economia brasileira de absorver choques e sustentar o crescimento.

Tal postura pragmática não só permite a melhoria advinda do investimento chinês, mas também assegura que tal progresso contribua genuinamente para uma resiliência econômica mais robusta e autônoma, pavimentando o caminho para um desenvolvimento nacional mais equilibrado e soberano no cenário global.

Por fim, a tomada de decisão estratégica e a visão de longo prazo são imperativas. A “janela de oportunidade” para o Brasil modernizar sua infraestrutura de transporte com capital externo é real, mas exige que o país atue como um negociador astuto e um gestor eficiente, transformando o potencial dos investimentos chineses em um catalisador duradouro para sua própria resiliência e prosperidade.

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Aprofunde-se

ALBRIGHT, Zara C.; RAY, Rebecca; LIU, Yudong (Nathan). Boletim Econômico China-América Latina e Caribe: Edição de 2023. Boston: Global Development Policy Center, 2023. Disponível em: https://www.bu.edu/gdp/files/2023/04/GCI-CH-LAC-Bulletin_PT_2023-FIN.pdf Acesso em: 4 out. 2025.

CARIELLO, Tulio. Investimentos Chineses no Brasil 2024: Reindustrialização e Transição Energética. Rio de Janeiro: Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), 2024. Disponível em: https://cebc.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Balan%C3%A7o-Investimentos-Chineses-no-Brasil-2023.pdf. Acesso em: 4 out. 2025.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE (CNT). Relatório Gerencial Pesquisa CNT Rodovias 2023. Brasília, DF: CNT, 2023. Disponível em: https://cnt.org.br/media-assets/download/2023/11/08/4249/pesquisa-cnt-de-rodovias-2023-versao-completa.pdf. Acesso em: 4 out. 2025.

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